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José Murilo de Carvalho: adeus a um dos principais intelectuais do Brasil

 

Niterói, 13 de agosto de 2023

Da Redação

O historiador José Murilo de Carvalho em sua posse na Academia Brasileira de Letras

Faleceu na madrugada de hoje, de complicações pulmonares no Hospital Samaritano, no Rio, o historiador José Murilo de Carvalho, aos 83 anos. Ao longo de sua frutífera trajetória, o mineiro de Andrelândia debruçou-se sobre o Brasil e sua história, realizando assertivas análises concernentes ao passado e ao presente do país.

 

José Murilo de Carvalho, ou apenas “Zé Murilo” como era chamado por diversos historiadores, foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Brasileira de Ciências. Atuou como professor, tanto do Departamento de História, quanto do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, instituição da qual também era professor emérito, e, ainda, da UFMG. Agrega-se  que José Murilo participou como pesquisador da Casa de Rui Barbosa, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, e pesquisador visitante do Institute for Advanced Study de Princeton.

 

Em relação às universidades estrangeiras, o pesquisador foi professor visitante na Holanda (Leiden), França (EHESS), Inglaterra (Oxford), Espanha (Fundación José Ortega y Gasset) e EUA (Irvine, Notre Dame, Stanford), sendo que neste país José Murilo realizou o seu mestrado e o seu doutorado. Ainda no tocante à sua formação, o pesquisador graduou-se na UFMG e, em entrevista à Revista Tema Livre, em março de 2004, ele fez a seguinte observação: “tenho formação meio anfíbia. Minha formação acadêmica se deu na área de Ciências Sociais, sobretudo da Ciência Política. Minha pesquisa se dá, sobretudo, na área da história política e da história social das ideias” e pontuou que “A Ciência Social serve para melhor trabalhar o lado conceitual que vai servir para costurar a narrativa histórica. A combinação, se bem usada, pode eventualmente gerar maneiras novas de abordar certos problemas, de interpretar evidências. É isso o que tenho feito.”

 

Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra: José Murilo de Carvalho e José Pedro Paiva, diretor da Faculdade de Letras da instituição.

Sobre suas realizações, José Murilo foi autor de mais de duas dezenas de livros, tendo sido traduzido para o francês, para o espanhol e para o inglês e, ainda, escreveu mais de 120 capítulos de livros e artigos acadêmicos publicados no Brasil e no exterior. Recebeu diversos prêmios e títulos, que reconheceram a contribuição de José Murilo Carvalho ao conhecimento.

 

 

Formação:

Graduação em Sociologia e Política/Universidade Federal de Minas Gerais: 1965

Mestrado em Ciência Política/Stanford University: 1968

Doutorado em Ciência Política: 1975

 

O professor:

Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG: professor adjunto, 1969 – 1978

Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, IUPERJ: professor, 1978 – 1997

Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ: professor titular, 1997 – 2009

 

Livros publicados no Brasil (primeira edição/autor único)

  1. A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória, 1978
  2. A construção da ordem: a elite política imperial: 1980
  3. Os bestializados. O Rio de Janeiro e a República que não foi: 1987
  4. Teatro de sombras: a política imperial: 1988
  5. A Formacao das Almas. O Imaginario da Republica: 1990
  6. A monarquia brasileira: 1993
  7. Pontos e bordados: escritos de História e Política: 1999
  8. Cidadania no Brasil: O longo caminho, 2001
  9. Forças Armadas e Política no Brasil, 2005
  10. Dom Pedro II, 2007

 

Prêmios e títulos

  1. Doutor Honoris Causa pela Universidade de Coimbra: 2015
  2. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: 2014
  3. Correspondiente Extranjero da Academia Colombiana de Historia: 2012
  4. Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro: 2011
  5. Sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro: 2010
  6. Prêmio Almirante Alvaro Alberto (MCT-CNPq-Fundação Conrado Wessel): 2009
  7. Pesquisador Emérito do CNPq: 2008
  8. Prêmio Jabuti para D. Pedro II: ser ou não ser: 2008
  9. Scopus 2007 na área de Ciência Política (Elsevier América Latina/Capes): 2007
  10. Comenda Teófilo Ottoni (Governo de Minas Gerais): 2007
  11. Grande Medalha Presidente Juscelino Kubitschek (Governo do Estado de Minas Gerais): 2006
  12. 100 brasileiros geniais, Jornal O Globo: 2006
  13. Prêmio Casa de las Américas para o livro Cidadania no Brasil: o longo caminho, Casa de las Américas, Cuba: 2004
  14. Medalha de Grande Oficial da Ordem do Mérito Aeronáutico (Ministério da Aeronáutica): 2004
  15. Medalha Rui Barbosa (Casa de Rui Barbosa): 2003
  16. Medalha de Honra-UFMG: 2001
  17. Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico concedida pela Presidência da República: 1998
  18. Medalha de Honra da Inconfidência (Governo de Minas Gerais): 1992
  19. Prêmio Jabuti: 1991
  20. Prêmio Banorte de Cultura Brasileira: 1991
  21. Medalha de Oficial e Comendador da Ordem de Rio Branco (Itamarati): 1989
  22. Homem de Ideais (Jornal do Brasil): 1989
  23. Melhor Livro em Ciências Sociais (ANPOCS): 1988
  24. Medalha Santos Dumont (Governo de Minas Gerais): 1987

 

 

Academia Brasileira de Letras

Tomou posse na instituição a 10 de setembro de 2004, tendo ocupado a cadeira número 5, aberta com o falecimento de Rachel de Queiroz, e que tem como patrono Bernardo Guimarães (Cândido Mota Filho, Aloísio de Castro e Oswaldo Cruz também ocuparam a cadeira)

“José Murilo de Carvalho era dos nossos maiores historiadores, que explicou nosso passado desde o Império e, a partir desse conhecimento, analisava a política brasileira recente com requintes históricos que ajudavam a antever o futuro, do qual se desiludiu nos últimos anos. É uma perda não apenas para a ABL, onde tinha sob seus cuidados nossos arquivos, mas para a cultura brasileira.”

Merval Pereira, presidente da ABL (nota divulgada no site da instituição)

 

Academia Brasileira de Ciências

Membro desde 2000

“Querido amigo José Murilo, grande intelectual, defensor da democracia, da história, da ciência, da cultura, das artes… Você sempre esteve presente na vida da nossa Academia. Seu legado será sempre reverenciado. Seu jeito de ser sempre será lembrado e seu humor sempre invejado. Hoje lhe dizemos até breve e muito obrigada pela parceria. Abraços da Helena.”

Helena Nader/presidente da Academia Brasileira de Ciências (nota divulgada no site da instituição)

 

– Reveja a posse de José Murilo de Carvalho clicando aqui.

– Releia a entrevista que José Murilo de Carvalho concedeu à Revista Tema Livre clicando aqui.

 

 

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Prof. Dr. José Murilo de Carvalho (UFRJ/ABL)

No dia 11 de março de 2004, realizou-se na Academia Brasileira de Letras (ABL) a eleição para a cadeira nº 5 ocupada, até novembro de 2003, pela escritora Rachel de Queiroz. Concorreram o historiador José Murilo de Carvalho, que venceu o pleito com 19 votos, o publicitário e empresário Mauro Salles, que obteve 14, e o jurista Paulo Bonavides, que recebeu 4, sendo a eleição decidida no primeiro escrutínio em menos de 20 minutos. 

José Murilo de Carvalho possui pós-doutorado em duas universidades: na de Stanford, nos Estados Unidos, e na de Londres. Membro da Academia Brasileira de Ciências, o historiador tem uma trajetória profissional em diversas instituições de pesquisa, no Brasil e no exterior, como, por exemplo, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na École des Hautes Études em Sciences Sociales, no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, e nas Universidades de Londres, Oxford, Stanford, Califórnia (Irvine) e Leiden (Holanda). Atualmente, leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professor do Departamento de História. 

No que tange a sua obra, José Murilo de Carvalho conta com diversos livros publicados, entre eles “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”, “Cidadania no Brasil: o longo caminho”, “A construção da ordem: a elite política imperial”, “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil” e “Teatro de sombras: a política imperial”. 

Em janeiro deste ano, o seu trabalho “Cidadania no Brasil” recebeu, em Cuba, o Prêmio Literário Casa das Américas, na categoria literatura brasileira, onde concorreram 82 obras. Entretanto, este não é o único livro de Carvalho a ser premiado. “A formação das almas”, por exemplo, obteve, em 1991, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. 

Ao longo da sua trajetória profissional, o acadêmico foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (Presidência da República), Medalha de Honra da Inconfidência e Medalha Santos Dumont (ambas do Governo de Minas Gerais), Medalha de Oficial e Comendador da Ordem de Rio Branco (Itamarati) e Medalha de Honra-UFMG (UFMG). 

A seguir, a entrevista exclusiva que o historiador concedeu à Revista Tema Livre, no dia 18 de março de 2004, na qual o pesquisador e membro da ABL, fala a respeito da sua eleição para a instituição criada por Machado de Assis, da sua trajetória profissional e dos projetos acadêmicos que está a desenvolver. 

 

O historiador José Murilo de Carvalho em sua posse na Academia Brasileira de Letras

Discurso de posse do historiador José Murilo de Carvalho na Academia Brasileira de Letras

 


Revista Tema Livre – O Sr. pode falar um pouco sobre a cadeira nº 5, da ABL, para a qual o Sr. foi eleito? 

José Murilo de Carvalho – A cadeira nº 5 teve como ocupantes pessoas notáveis, o que torna mais fácil o trabalho de lhes fazer o elogio no discurso de posse. Para início de conversa, o patrono é Bernardo Guimarães, autor de “Escrava Isaura”, um excelente tema para analisar. Outro notável ocupante da cadeira foi Oswaldo Cruz, cientista que aliou a temática social, a luta contra as epidemias no Rio de Janeiro, com a ciência. Ele era um cientista, um pesquisador, até certo ponto um homem da Universidade. Manguinhos não era exatamente uma Universidade, mas foi o primeiro grande instituto moderno de pesquisas do Brasil. Toda a minha carreira profissional foi feita dentro da Universidade, de uma instituição de pesquisa e ensino. Outro ocupante importante foi Cândido Mota Filho, que escreveu um livro interessante sobre Alberto Torres e criou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), quando era Ministro da Educação. Finalmente, Rachel de Queiroz, primeira mulher na Academia, excelente escritora, e romancista com temática social vinculada à realidade nordestina, desde seu primeiro livro “O Quinze”. São todas pessoas que honraram a Academia e se salientaram na vida científico-cultural do país. É gratificante ocupar uma cadeira com tais predecessores. 

RTL – Quando vai ser a sua posse na ABL e, também, comente sobre o intercambio que o Sr. pode realizar entre as duas academias, a Brasileira de Letras e a Universitária? 

Carvalho – A data da posse depende do eleito, do tempo que ele requer para preparar o discurso de posse. Em geral, os eleitos tomam posse dentro de três ou quatro meses. Pretendo ater-me a esse prazo e tomar posse em julho ou agosto. A segunda parte da pergunta tem a ver com o intercâmbio entre as duas academias. Como já disse, passei minha vida profissional dentro da Universidade e também pertenço a Academia Brasileira de Ciências. Não vou entrar para a ABL por causa da pompa e circunstância, coisas que não me atraem. O que me atrai é a possibilidade de trabalhar em um ambiente novo, com pessoas diferentes daquelas com as quais convivi até agora. Uma das idéias que tenho, não sei se terei condições de implementá-la, seria aproximar as duas academias, a Universidade e a ABL, somar suas contribuições e seus estilos de produzir conhecimento e cultura. Há algumas áreas que podem servir de contato. Penso, sobretudo, em uma melhor utilização pelos alunos da biblioteca da Academia, que está muito boa, muito modernizada. Penso na possibilidade de publicações conjuntas. Penso ainda na melhor utilização do acervo documental da Academia, que é muito rico, pelos alunos para efeito de feitura de monografias, dissertações e teses. Essa documentação é quase ignorada pela Universidade. O uso desse material para análises acadêmicas permitiria um diálogo interessante entre as duas instituições pela combinação de tipos de abordagens diferentes. 

RTL – O Sr. pode falar da sua trajetória profissional? 

Carvalho – Tenho formação meio anfíbia. Minha formação acadêmica se deu na área de Ciências Sociais, sobretudo da Ciência Política. Minha pesquisa se dá, sobretudo, área da história política e da história social das idéias. Essa mistura incomoda um pouco os defensores de fronteira disciplinares rígidas. A mim não incomoda, porque não vejo problema em combinar as duas coisas. A ciência social serve para melhor trabalhar o lado conceitual que vai servir para melhor costurar a narrativa histórica. A combinação, se bem usada, pode eventualmente gerar maneiras novas de abordar certos problemas, de interpretar evidências. É isso o que tenho feito. Trabalhei em instituições dos dois tipos, na UFMG e no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), em departamentos de Ciência Política, e na Casa de Rui Barbosa e no CPDOC, que são instituições de pesquisa histórica. Finalmente, vim parar aqui no departamento de história da UFRJ. 

RTL – Finalizando, o Sr. pode falar um pouco da pesquisa que o Sr. está a desenvolver agora? 

Carvalho – Além de um grande projeto coletivo do PRONEX, que abrange a UFRJ, a Fluminense, a UERJ e a UNIRIO, financiado pelo CNPq e pela FAPERJ, que consiste em tentativa de fazer uma grande revisão da historiografia sobre século XIX, o que me ocupa mais no momento é um projeto em colaboração com a professora Lúcia Bastos, da UERJ, e um aluno aqui do doutorado da UFRJ, Marcello Basíle e que conta com o apoio da Biblioteca Nacional. Trata-se do levantamento e publicação do que chamamos de panfletos da independência. Estamos em fase final de levantamento dos panfletos em bibliotecas e coleções do Brasil, Portugal e Estados Unidos. A idéia é publicar esses panfletos em “fac-simile”. Acredito que a publicação será de grande auxílio como instrumento de trabalho para muitos pesquisadores, que não vão precisar mais percorrer essas bibliotecas. Acredito também que a análise dos panfletos permitirá reinterpretar a independência no sentido de ressaltar que, se não houve muita guerra, muito tiro, houve, como disse o autor de um dos panfletos, uma guerra literária muito intensa. O fato indica grande participação não apenas de uma elite, mas de muitas outras pessoas no debate sobre a independência. A independência não foi complô de ninguém, nem da elite, nem da dinastia. Foi algo muito mais amplo em que se envolveram muitas pessoas. Foi um processo mais popular e nacional. 

 

 

 

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